23.12.07

a água paralisada

banco com sombras de palmeira
um casal de mulheres abraçadas
ciganos sofisticados com cão
linha litoral pesada de prédios
quartos, rooms, zimmer, chambres

canavial destroçado em água
o dia através dos óculos escuros
garrafão verde vazio

espaço aberto
marina com barcos e baldios
grupo de pessoas a rir
mulher muito pintada com carrinho e bebé
as gaivotas a contarem anedotas

flores cor de laranja com pólen
o eco dos passos na urbanização deserta
senhora doente em cadeira de rodas
a água paralisada

proibida a entrada a estranhos
olhar para o chão: o carreiro
dunas com vegetação típica
chão de conchas partidas
e agora, outra vez, o mar

introdução à metafísica

coisa de madeira com escadas
antes do sol se pôr
viatura ao longe
praia muito grande
falésias de arenitos
o barulho calmo das ondas

levitação
gruas ao longe puxando prédios
sentado a escrever
flocos de neblina marchando
a tinta é azul

senhor de idade olhando
um cêntimo enferrujado
marcas de pneus
o dia dentro de uma caixa

a metafísica
ténis, calças de ganga, t-shirt
um nome escrito na areia
um bocado de esferovite
atravessar este obstáculo
agora já deve ser tarde

20.12.07

doenças venéreas nas paredes
o coração das conchas
um grito ao longe
o fogo numa caixa
três espirais?

ao meio dia, um deus
gente cansada no comboio
animais parciais

o mesmo quarto mas ontem
um poema fóssil
uma pata de uma animal longínquo
a praia tinha sol mas pessoas?
aquele mar maior

"segredos , sebes, aluviões"
o universo sentado
encontrar um livro
a atenção pescoço curvado
a rótula está dorida
uma ossada, um uivouma brincadeira?
lajes de pedra escutam-nos

4.12.07

vinte e uma coisas


01. sujeito com caderno.
02. um rádio com música clássica nos seus circuitos ferrugentos.
03. dores musculares mas muito ligeiras.
04. quarto com graffitis nas paredes.
05. cortinas brancas.
06. o sonho de ontem.
07. um livro sobre símbolos.
08. migalhas de lenha no chão.
09. quadro vermelho de rosto pesado.
10. a deslocação do ar lá fora.
11. a morte a dormir no seu ninho.
12. saco de boxe pendurado com corrente.
13. uma ansiedade sem forma.
14. coluna vertebral.
15. guarda-fato de madeira altivo.
16. micro fungo entre os dedos dos pés.
17. a respiração a passar nas narinas.
18. uma vela acesa.
19. uma girafa de madeira sem cabeça.
20. o tecto pisado pelo tempo.
21. uma caneta com palavras diluídas na carga.

14.11.07

várias mãos

está a dar steve reich
no meu radio antigo

tenho algum frio
nas orelhas

escontrei um cabelo
da minha namorada
solrengo do verão passado
encaracolado nos meus dedos

puz um círculo de velas
para dar força à escrita

alguns dias tenho esperança
outros não

(tenho os ossos ainda de leite)

gosto de guiar
furando a noite

estou tão cansado
que não consigo dormir

este é um dia de outubro
ainda

tenho resistência
em viver comigo

vi uma raposa morta
apeteceu-me trazê-la
para casa
mas não tive pena dela
porque era bonita

31.10.07

os meus pensamentos


meu cérebro
está-se a espalhar pelo corpo
sombra de uma
metástase


o meu cérebro
tem fome de fibras
e veias e válvulas
e vai-me comendo,
por dentro


(a psiquiatria
chama-lhes "depressão"
os clássicos chama-lhe "melancolia"
eu chamo-lhes
"morrer aos bocados"
lentamente
e aos bocados)


o meu cérebro
é um canibal que pensa

27.9.07


amanhã vou à serra de sintra.
estive por lá a passear antes de ontem à noite com um bom amigo. e lá no alto da serra havia uma nuvem enorme que estava por entre as árvores.
os altos da serra estavam submergidos por aquela nuvem. e o nevoeiro mete-se por entre todos os troncos e faz chover as árvores. e o nevoeiro é sempre tão denso que faz com que as árvores, unanimemente, tenham longos cabelos de algas.
e, por isso, de noite, com uma luz lua encharcada e submarina, temos a plena percepção de não estarmos numa floresta húmida à noite, mas antes num aquário nocturno por onde se passeia o sonho...

26.8.07

a praia da adraga e eu

como eu,
o mar está fratricida...
(o mar é um homem revoltado)
entre a bruma de outubro
e as rochas batidas pelo sal,

a luz prateada e ofuscante,
a maré esvaziada de vontade,
e os penhascos em volta
espetam a barriga do vento,
a maré vazia cheira intensamente:
cheira a hiperbóreas regiões

o mar sorri-me aos trambolhões
como se estivesse bêbado e neurótico
a esmagar a cabeça contra a parede

e eu sou um animal revoltadonuma jaula
(firo-me nas grades ao arriscar sair)
mas se me quiseres ajudar,
podes ter a certeza:mato-te.

a aurora e a ressaca

os pássaros piavam percutindo na cabeça
os pássaros piavam, como se árvores fossem
excrescências; excrescências vivas a chiarem
pássaros percutindo e os troncos dentro
os troncos dentro e o sol atrás das casas

a aurora era um monstro deficiente
como se os cotovelos das árvores desatinassem
desatassem a piar, e os joelhos das aves
piavam bicadas na sua cabeça
e os pássaros subiam para cima do sol
como ratazanas

a aurora levantava-se e isso humilhava-o,
como se fossem pássaros, como se cotovelos,
como se as árvores excêntricas e o caule,
eram aves-árvores e o dia a levantar-se,
trepando casas, para cima das casas:
o céu do horizonte recortando-se nos telhados
e os telhados a piarem ódio e sol

e os pássaros subiam para cima do sol
como ratazanas em cima do céu
a aurora levantava-se, a cabeça
como uma noite no horizonte,
e o astro-rei começava aos gritos
desnorteado.







nota: estes dois poemas são de 2005, para um livro que não cheguei a escrever. Ir-se-ia chamar "ciclo do carbono".
Rafael Dionísio.

27.7.07

a nossa livraria!





Inauguração este Sábado, dia 28, às 18h, da livraria Book'n'Shop, projecto em parceria com a Thisco e a galeria Work'n'ShopO projecto Book'n'Shop surge de urgência pois vivemos tempos em que as livrarias estão mais preocupadas com livros Pop ou de Elfos - aliás, as livrarias de "livros normais" nos dias que correm conseguem ser ainda mais folclóricas que as lojas especializadas em bd sobre as quais se ridicularizava por serem lojas de "nerds", vulgo, consumidores de super-heróis e estatuetas de super-gajas com super-mamas e super-armas. Dada decadência e falta de incentivo quer das livrarias normais quer das lojas especializadas, há muito que a CCC desejava partilhar um espaço onde as suas publicações e as dos seus associados pudessem ter o destaque merecido. Aliados à editora de música electrónica Thisco e à galeria de arte Work'n'Shop, onde aliás se situa a Book'n'Shop, é com gosto que convidamos à inauguração da livraria onde poderá encontrar a cultura obscura e vanguardista que necessita e que não encontra noutros sítios. Para que fosse ainda uma capital europeia, Lisboa precisa de um sítio onde se encontre temas como Art Brut, bd alternativa, Culture Jam, Street-art, Shamanismo High-Tech, Ocultura, Zines, livros de autor, e editoras de referência como Re/Search / V-Search / Juno, Le Dernier Cri, Media Vaca, Desinformation, Feral House, Canicola,... e a MMMNNNRRRG, Imprensa Canalha, El Pep, Opuntia Books,... e claro, a Chili Com Carne.

16.7.07

isto sim, é poesia!!

1. Nf3 d5
2. c4 d4
3. e3 d3
4. Qb3 Bf5
5. Nc3 b6
6. e4 Bg4
7. Ne5 Bh5
8. Nxd3 Nf6
9. Be2 Bxe2
10. Nxe2 Nxe4
11. O-O e6
12. Ne5 Nxd2
13. Qb5+ Ke7
14. Rd1 Nf3+
15. gxf3 Qxd1+
16. Kg2 Qxe2
17. Be3 g6
18. Bg5+ f6
19. Qb4+ c5
20. Bxf6+ Kxf6
21. Qc3 Qxe5
(as brancas desistem)

6.7.07


a lua tenta arrancar do horizonte,

vermelha e grávida de si própria

poema á duração (depois de peter handke)

os ponteiros do relógio
são gotas de chuva

a casa é grande, não assombrada,
cheia de gritos vindos da infância
e espartilhos morais

debruço-me com cabisbaixo
sobre as páginas escritas

e vez em quando olho-me
naquele espelho pequenino,
faz anos que isso faço

o espelho é aquele
rio de heracilto
pendurado na parede
embora eu sinta e seja
tudo na mesma
(um homem derrubado)

27.5.07

luís, leonor



entretanto em casa de lúis, leonor e luís esqueciam o mundo depois de um jantar leve mas apiparalhado com uma becazinha de tinto de qualidade e de conversas intimistas. ambos olhavam um para outro. nota-se cientificamente que ambos os indivíduos estão disponíveis para acasalar. ela várias vezes desvia o olhar dele, simulando vergonha, numa atitude mista de consentimento e vergonha forjada, cumprindo assim o seu papel de fêmea na economia do processo da procriação. finge que foge ao seu olhar para mais estimular o instinto de caça no homem. para ele sentir a adrenalina subir ao perseguir a sua presa. ele sente-se a ofegar baixinho como se fosse um pobre sepultado debaixo de uma laje de betão. ela olha e entreabre ligeiramente os lábios que resplandecem de vermelho, que se colam e descolam um ao outro. os seus lábios parecem inchados, riscados de vermelho, morfologicamente vaginais. luís sente o seu pénis a palpitar ligeiramente emocionado.
tecnicamente são o objecto de desejo um do outro e a sensação subjectiva de prazer e bem-estar aumenta o instinto do acasalamento.
invisíveis hormonas transudavam dos corpos dos amantes e os receptores nasais capturavam-nas e enviavam a mensagem ao cérebro: o outro está disponível. informações secretas de desejo imiscuem-se sub-repticiamente nas mentes dos dois namorados. em ambos os sexos os mamilos tornam-se erectos. e na mulher há um aumento do seio até um máximo de 25 % do volume inicial. luís e leonor tocam-se inicialmente nos ombros e nas mãos, nos braços, enquanto se beijam. posteriormente as mãos, órgãos sensoriais do tacto por excelência, iriam percorrer outras zonas do corpo menos tocadas socialmente. este contacto é acompanhado pelo beijo, primeiro com os lábios fechados, explorando-se mutuamente, e posteriormente língua-língua, língua-lábios, o que provoca nele a congestão dos corpos esponjosos e cavernosos. esta dilatação do seu sexo quase lhe provoca desconforto. por sua vez também o clitóris de leonor aumentou de volume. o próprio útero de leonor se irá expandir a um máximo de 50% e mudar a sua inclinação de modo a tornar mais fértil o aparelho genital feminino. os grandes lábios também aumentam e os pequenos adquirem um tom vermelho tipicamente sexual, algumas veias aparecem à superfície da pele dos seios. por baixo arfam dois pulmões que, devido à excitação e aumento do metabolismo, ingerem oxigénio para levar á célula mais carburante.
luís agora agarra-lhe com uma pata pelo pescoço, por trás, e entra-lhe com a língua na boca, como se fosse uma oclusa derrubada. a erecção torna-se macroscopicamente observável aumentando o volume do pénis e a sua cor. luís abre a sua braguilha exibindo o pénis à sua parceira. manifestação inequívoca de que está pronto para seguir para a fase do coito. segura o doce membro entre o polegar e o indicador puxando a glande para fora repetidas vezes, exibindo o sexo à parceira. observa-se ainda nos dois indivíduos o quebrar do decoro social e o avanço a passos vistos para uma actividade sexual franca e, podemos assim afirmar, aberta. os dois contribuintes geme e suspiram enquanto se apalpam. leonor deixa que luís lhe ausculte as mamas, primeiro levemente com a ponta dos dedos, depois puxando-lhe a blusa para baixo e enterrando-lhe os dedos nas tetas. ela entreabre os joelhos e deixa passar a dextra que lhe vai apalpar o rego humedecido. os pintelhos entusiasmam-se. a lubrificação vaginal não provém das glândulas de bartholin mas sim de um transudado plasmático dos vasos capilares da mucosa de leonor.
a roupa é retirada e ambos os corpos se esfregam. a pele é um órgão que envolve os dois mamíferos, um órgão termorregulador e captador dos estímulos dolorosos e tácteis. os corpos esfregam-se e a pele de ambos em contacto uma com a outra envia sinais de todo o tipo ao cérebro de cada um deles. desde o ph da pele à compatibilidade imunitária do casal até à muito evidente excitação sexual. luís tem um gesto de alguma rudeza ao atirar as pernas de leonor para trás e puxar-lhe as cuecas para fora. ela aprecia este gesto e incita-o à penetração peniana.
na leonor ocorre uma clara tumescência das auréolas além de uma erupção maculopapular embora inconstante no epigastro que se estende pelo pescoço, ombros e mamas, também chamado de rubor sexual. luís penetra leonor na vulgarmente chamada posição do missionário. ela ergue os joelhos em direcção ao céu. os grandes grupos musculares contraem-se e distraem-se, não só em luís que contrai os glúteos e os dorsais em arco suportando-se nos joelhos e nas palmas das mãos, mas também leonor que ajuda à penetração elevando a bacia de encontro ao seu parceiro. assim ambos colaboram para uma penetração profunda. O esforço, a delapidação de energia através da degradação de açucares a nível celular, o somatório dessa queima de açucares à escala molecular provoca a nível macroscópico uma aceleração do ritmo cardíaco até cento e trinta batimentos por minuto e uma respiração ofegante. O libertar de tanta energia provoca um aumento da temperatura corporal que precisa de ser compensado através de refrigeração sudorífera. leonor agora tem as pernas suspensas no ar com o macho no meio cada vez mais enterrado nela. luís atinge uma actividade paroxística com espasmos parcialmente incontrolados. luís provoca pelo seu contacto repetido um orgasmo em leonor, isto provoca-lhe uma grande descarga de tensão neuromuscular produzindo vocalizações. em luís a próstata sofre uma série de contracções, juntamente com a uretra e as vesículas seminais. a ejaculação de luís torna-se um facto científico irrefutável, acompanhado, por acaso ao mesmo tempo de uma prolongação em réplicas do orgasmo de leonor.
ambos sofrem uma gama variada de experiências sensoriais e somáticas podendo-se constatar nos dois parceiros um estado transitório de obnubilação da consciência talvez mais acentuado e prolongado em leonor.
- caramba! - geme ele. - até me iam saindo os colhões picha fora.
abraçam-se com uma observável camada de suor a revesti-los. os corpos resplandecem. ambos respiram mais devagar embora muito profundo. a frequência cardíaca diminui. há uma mútua e subjectiva noção de prazer generalizado. luís tem um período refractário que pode durar pelo menos alguns minutos em que não pode ser estimulado outra vez. leonor não tem organicamente este período refractário e pode experimentar orgasmos sucessivos e repetidos. talvez um dia se masturbe à frente dele mas hoje ainda não se sente à vontade.
- foi bom. - diz ela.

15.5.07

capa (provisória)



Esta, depois de melhorada, vai ser a capa do meu livro "cadernos de fausto" a publicar em breve pela Chili com Carne

1.4.07

o fogo e as florestas


a força vem de dentro dos objectos são os objectos. fausto tentar tentáculo, se archotes então palavras revoltadas, a trotar planícies cheias florestas, através dos ramos cavalgada anárquica. a doença lancetava-lhe a força. a falta de ar lancetava-lhe a nevrose. a doença abafava-lhe o rosto cheio de força, cheio de força eram polvos e polvos na cara, metidos brônquios adentro, a copularem com as frinchas do oxigénio.
fausto quis queria levantar a cabeça para sair da sub vida. levantar a cabeça górgona parasitas, no chão do seu crânio estava uma taça com os seus pensamentos. uma taça cheia dos seus vísceras pensamentos. com tanta força e com tantas ideias e com tanta força e com tantos pensamentos. e depois haver pensamentos armadilhados, pensamentos que não se podem tocar explodem. com a pessoa pensamentos como se fossem seus familiares.
familiares mórbidos a urdirem incapacidades ao sujeito. pensamentos minados como se fossem familiares mórbidos a envenenarem a vida os novos seres já condenados que depois da alegria só encontram gengivas nas prisões. definitivamente envenenado pelos familiares. traições psíquicas por trás. uma psique que ficou definitivamente envenenada pelos familiares.
o chão não era o chão. eram sair poros da terra e a terra a respirar um halo mórbido, húmido. nessas frestas da crosta terrestre cresciam árvores. árvores nubladas de grandes caules. a floresta era um livro misterioso, com milhares de páginas nervuradas penduradas nas árvores. fausto pilha voltaica amordaçado tentáculos de ferrugem. no chão do crânio uma energia revolucionária. uma energia revolucionária que há-de levar á vitória e à loucura. e eram páginas e páginas de energia nervurada, as sombras cheias de nevoeiro arvoredo.
a radiação das coisas. inúmeros objectos e várias mãos. as luzes eram febris e fabris. as luzes eram como se olhos de van gohg: cintilantes e contorcidos. tudo olhava e tudo tinha olhos: os objectos, os pensamentos doentes, a compressão dentro dos compartimentos prisão, a força espartilhada eram polvos, a força genésica e o mal de fausto. os seus filhos também nasciam doentes. os filhos a brotarem dracmas doentes na paisagem e a sua mulher de cabeça aberta a parir uma criança pela cabeça, o chão do mal, a densidade floresta, a radiação das coisas, a sua profunda vitória, o cavalo às vezes é o ser mais surpreendente. fausto era apenas um riso na sombra da floresta. com a luz do sol ou a luz da lua, tanto faz, a trespassar segmentos e segmentos de recta. e eram as copas enormes que florestavam tudo e o caminho era pedregoso e musgoso.
e, no charco, no centro da floresta, ringue a luta do bem e do mal ringue. e quando fausto lá chegou já o mal e o bem pareciam uma massa indiferenciada fundamental, lodo apócrifo com certeza, o mal era o bem e o bem era o mal, numa fornicação intempestiva, hermafrodita, traumática, cambaleante.numa auto-fornicação infernal que iria certamente levar à morte mútua. e a matéria gemia angústia e orgasmos, a matéria lodo primordial, a matéria quando bem e mal mesclados, assim andrógino cheio de enxofre - fausto: um acto dos diabos, e a floresta labirinto de sombras, a floresta massa primordial de sonâmbulos e de inconscientes, a floresta labirinto informe e inconsciente, e a matéria gemia angústia e orgasmos, o lodo lutava contra si próprio e fausto obrigava uma mulher a pôr ovos, e o lodo misturava-se apócrifo. e depois fausto fabricou um fogo para onde levou dois monstros de lama até ao fogo. e os dois disformes estavam enganchados pelas mandíbulas e pelo sexo. e gemiam quando violenta morte e interpenetravam-se suicídio. fausto fabricou um fogo e depois exterminou os monstros ou vais a bem ou vais a mal. os monstros parasitas insectos conchas lutavam si próprios. e numa pira de chamas ergue-se a salvação última. e o fogo crepitava no centro da floresta. e depois do exorcismo fausto levantou-se do seu esquecimento e trotou animal pela floresta. arrastando fêmeas para a floresta e obrigando-as a foder até rebentarem de tantos filhos. e depois, alegre e sempre bem humorado, como um comediante aliás, embrenhou-se ainda mais labirinto e andava por aqui e por ali a psicanalisar todos os animais mortos que encontrava pelos seus caminhos de floresta.







18.3.07

diferença e repetição (fábricas e florestas)

uma máquina resfolega. fausto era um cientista golém, por isso tinha que lâmina nas guelras dos animais dentro deles oráculos ventre cheio. os bidões abandonados. florestas carregadas de campos electromagnéticos. e troncos caídos abaixo. o meu templo é a vontade e a violência. o que não são árvores são encruzilhadas. os bidões abandonados. mesmo que não haja caminhos. a floresta era um espelho com os seus ramos e de vento apanhado pelos ramos.
tirava bocados do chão a fórceps do próprio chão, como se fosse filhos dele sepultados na terra, ainda por nascerem, uma máquina resfolega, como se fossem estilhaços humanos a copularem com as fragas com o rosto de peixes mercúrio. e os troncos possantes e trágicos desapareciam para cima no nevoeiro.
ele tinha consciência da aragem e do minotauro de troncos no nevoeiro. também gostava de ver uma fábrica recortar um horizonte sinistro, nas árvores, enforcados com as asas tristes eram falácias entre as cordas e eu não conseguia voltar.
e o mundo é uma bola a girar pateta no vazio. em revolta revoluções convulso. tu és um instrumento cadáver, uma música morte. mar martírio para continuar a marchar como uma linha de montagem numa fábrica. o excesso de viadutos, e os fantasmas de operários martelando metais. uma fábrica a chiar aços até ao infinito. o excesso de viadutos.
chuva artificial fornalha metalurgia. como uma linha de montagem numa fábrica à trepidação das máquinas e reviram os olhos diferença e repetição.
cães manipulados por gente estrangeira, pessoas enterradas na planície, com bocados de fora, o enterramento na terra, uma máquina resfolega na sua auto-cópula mecânica, é gente metalurgia que nos mostra os ossos da boca a rir com árvores de cianeto e pássaros enforcados. esses eléctrodos nas têmporas, sensores afundados no esqueleto é uma pirâmide de sangue.
uma mistura de vários aparafusados como se fossem estradas penduradas na noite. o dramatismo da electricidade obrigatória e sempre um grande mal entendido. é necessário que haja o sacrifício do animal como se cianeto próprio.
inevitavelmente a sua cabeça desmorona-se sobre o papel. e os troncos possantes e trágicos desapareciam para cima no nevoeiro.
quando a obsessão do martelo e depois tropeçam no arame farpado, continuava a esfrangalhar as vísceras, a desamarrar músculos dos ossos. porque fausto é um laboratório, porque fausto é uma experimentação. os animais mineralógicos no mercúrio, uma fábrica a chiar aços até ao infinito.
o luar folhas de ferrugem reflexo no óleo da estrada pela humidade tornada floresta, a humidade que inchou o chão e se levantou do chão em árvores estão cobertas por uma fina pele de bactérias um horizonte sinistro
porque os animais e os minerais, as membranas das células chamavam fausto. as árvores de folhas embriagadas e o fogo a subir pelas serras como uma fornicação do inferno. e os troncos encharcados chiavam enquanto fausto procurava cativar aquelas energias. e troncos caídos abaixo. uma máquina resfolega.
floresta metástases como se cianeto próprio raízes radiações escondidas debaixo das pedras o que se passava com os astros e com os planetas o excesso de viadutos, os baldios e os bidões abandonados. e ouvem-se o ranger dos átomos a sofrer uns contra os outros.
- quero enforcar-me um rio como corda.

27.2.07

"cadernos de fausto"


prepara-se magnífica edição de "CADERNOS DE FAUSTO".

28.1.07

os fungos de fausto






fausto coleccionava fungos. fausto coleccionava fungos e chamava a isso "as minhas podridões". fausto coleccionava fungos porque podridões. fausto coleccionava porque num ninho de ciência e de doença.
no seu laboratório frascos com fungos ferozes. e lá dentro fausto havia frascos com fungos. ele gostava de fungos porque doenças. ele gostava de fungos porque bacteriológica e porque doenças bacteriológicas. ele gostava porque silos com bacilos. ele gostava de fungos e de podridão putrefacção em geral. e de doenças. do poder que as doenças lhe davam. bacteriológico. do poder que os bacteriológicos trazem. do poder dos bacilos. dos organismos vivos que venenos.
ele gostava de fungos porque bacteriológico e doenças. fausto na floresta: ervanário do mal. fausto na floresta fungos e bocados de seres vivos. organismos retirados a fórceps da natureza, retirados a fórceps extracção forçada natureza.
às vezes levava nas suas expedições científicas à floresta, levava mulheres. levava mulheres à floresta e acabava por se deitar em cima delas nos fetos, como uma sombra por cima delas e inoculava-lhes o seu esperma incubo. raramente se debatiam a não ser na aflição do orgasmo testemunha a floresta. fausto na floresta ervanário do mal. elas raramente se debatiam porque sabiam ao que iam.
fausto na floresta recolhia fungos e doenças como se fossem seus filhos. trazia-os para o laboratório. fabricava fungos e filtros, ciência e doença. e na sua organização de bacilos entrava por vezes em delírio pelas doenças que experimentava.
e, por cima de todos os seus boiões e godés, por cima do aparato de lâminas e microscópios, encontrava-se, o olhar espancado de um cristo. não que fausto fosse cristão mas porque aquilo simbolizava uma das maiores fraudes que um ser humano tinha perpetuado. fausto celebrava essa fraude. fausto sabia, desde as noites sonâmbulas dos tempos, que o que movia pessoas como o nazareno era a luxúria da glória, o exibicionismo masoquista, o sofrimento sacralizado, a luxúria da glória, a loucura de se exibir no seu triunfo da morte. só para que os outros o considerassem deus, só para se perpetuar na memória dos homens. e fausto não achava que esse logro do cristianismo, na figura de um doente perverso e exibicionista, fosse errado. cristo era admirado por fausto pelo seu engenho maquiavélico em enganar. e isso estava certo. tornar-se um deus face aos ignorantes. isso estava certo. triunfar e sobressair da massa ignorante e supersticiosa. isso estava certo. exibir o seu gozo e o seu martírio perante todos, tornar-se adorado deixando-se levar em suicídio ao gólgota. isso estava certo.
como fausto compreendia essa furiosa demência humana... tornar-se deus... como fausto compreendia que um galileu tenha morrido para se imortalizar... só alguém tão perverso como cristo é que o poderia ter feito. só cristo ou o próprio demónio, mestre do logro, rei do engano, para poder parir o monstro do cristianismo.suicidar-se para ser deus. que perversidade maravilhosa! eis a que se resume uma das mais belas obras do demónio. e, diga-se em sua justiça: a mais perfeitamente executada.








13.1.07

a conquista do filósofo, na primeira pessoa

no outro dia era um lago, os bichos podres lá dentro, no outro dia era um lago com bichos podres lá dentro. e eu ainda queria um aquário com aqueles bichos todos podres todos lá dentro lago. com aqueles bichos podres lá dentro.
eram falácias entre as cordas e eu não conseguia voltar, e num dos trilhos havia drogados injecção e queriam injecção e agarrarem as pernas das pessoas passam na rua e eles como se fossem polvos drogados.
mas eu não conseguia voltar. quando lá se vai já não se vai conseguia voltar. mas eu não conseguia logo lago voltar. e com bichos podres lá dentro. era aquele caminho mas eu não conseguia voltar. e com bichos podres lá dentro. e eu lixo desarrumados pelo chão. em toda a glória e psicologia descontrolados pelo chão. drogas descargas impulsos electrocussão.
as barreiras, os obstáculos, e eu tinha medo porque outros assim com força, com força extremista, levadas as pessoas poesia como extremos levadas as pessoas como, levadas à porta dos precipícios e lá em baixo largos lagos com bichos mortos podres lá dentro, lagos mortos. com extrema irracionalidade. com extrema intencionalidade. os obstáculos. com as ideias a ficarem quem sou eu onde estou como vim aqui parar? com as ideias a dizerem porque é que estas pessoas estão faustomortas?
com extremo cansaço, erguendo o braço morte músculos do lago, como quando combustão. e assim exemplo pessoa a arder no meio do caminho, a ficarem ideias como sou, com as ideias a dizerem porque é que estão mortas?
e a psicologia descontrolada. com extrema intencionalidade. com extremo cansaço, por meio das pessoas e a arder quase dinamite, levadas à força precipícios, lá para baixo isto sim assim é uma pessoa. levar por isso as pessoas e os precipícios às últimas consequências.
agitação intensa, grande perda de sangue, grande quando que poder de ataque, os impulsos sexuais bater nos impulsos sexuais, as pessoas levadas às últimas consequências, pela força, pela força, e anjos doentes a pousarem abutres doentes, e sujos doentes a poisar em árvores em cima do lago, mesmo por cima a poisarem doenças. eles estar estão a poisar! eles estar estão a poisar!
por isso mesmo descontrolo de si mesmo. os impulsos sexuais, bater nisso dos impulsos sexuais, os impulsos sexuais como electricidade aos coices, como as mãos electricidade nos nervos duzentos e vinte volts. drogas descargas impulsos electrocussão. nos pés e nas mãos a electricidade electrocussão. e o corpo amarrado a ser electricidade.
bater nos impulsos sexuais, o descontrolo, o altar dos mortos, o verdadeiro altar nosso violência, como são doenças, anjos abutres nas árvores, a verdadeira fuga, a fugitiva da vida, abre-se um espaço e nesse compartimento altar dos mortos, água dos mortos, compartimento violência até ao tecto.
de gestos bruscos, de movimentos esquizofrénicos, de pancadas súbitas, de gestos e de pancadas bruscos, de gente batida inusitados mortos, inusitados anjos mortos, nas árvores, enforcados como anjos inutilizados, a verdadeira fuga, até espancar, violência até ao tecto.
nas árvores, enforcados com as asas tristes, homens-pássaro do paraíso levados até ao enforcamento, repletos de sexos podres como uma revelação, para demonstrar a funda perversão, como uma fúria em ser deus, anjos doentes mentais, deficientes profundos mortos nos precipícios, abutres anjos mortos, repletos de sexos podres como uma revelação, como uma fúria em ser deus, uma fúria que se encoleriza facilmente, a empregar a força física, a violência física gritos, arreganhados dentes anjos, drogas descargas impulsos electrocussão.
sempre nas últimas consequências: as pessoas. os precipícios, as pessoas e os precipícios.
com a força extrema, as pessoas levadas pelas mandíbulas já são animais. as pessoas nos precipícios já são animais. e tudo com feroz e tudo com ferocidade animais mortos logo lago.
e eu, porque fausto, vi a violência, um altar de escoriações, e a violência abre-se a porta compartimento sempre sempre a subir.
com extremo cansaço, erguendo o braço morte músculos do lago, como quando combustão, e assim exemplo pessoa a arder no meio do caminho, a ficarem ideias como sou, com as ideias a dizerem porque é que estão mortas?
por isso mesmo descontrolo de si mesmo. por isso mesmo descontrolo de si mesmo. por isso mesmo descontrolo de sempre sempre a subir. por isso mesmo. por isso mesmo como se fossem polvos drogados.

1.1.07

todos contentes e eu também

entre as dores musculares
e o pôr do sol
surge a disponibilidade para
o poema

uma britadeira betona no horizonte
o tórax abre-se cálice flor vértebras

no outro dia avistei Quíron,
o centauro, na forma de um homem
a cavalo num cavalo

é inverno
mas oiço um grilo:
um portanto encalorado
artrópode

contruí uma represa temporária
para estancar o espeto da infelicidade

vou-me embora