8.5.04

o pai de fausto

estava com as pernas desatarrachadas da bacia, porque tinha estado a morrer durante três semanas há três anos. estava tecnicamente acamado. em linguagem popular estava aleijado.
não é que fausto tivesse assim uma pena tão profunda. antes pelo contrário. havia uma grande parte de si que gostava de o ver diminuído e dependente.
lembrava-se muito bem de todos os infinitos sermões, em que era requisitado burocraticamente por seu pai até ao gabinete, e que o ouvia humilhando-o intelectualmente com "discursos". discursos que invariavelmente o amesquinhavam em relação aos outros, a todos os outros, e que lhe davam um sentimento de culpa em relação ao mundo que continuava profundamente enquistado no seu ser.
e agora o pai de fausto estava acamado. fausto tinha que lhe levar o tabuleiro de jantar e ainda tinha que ouvir a sua voz autoritária e insolente a chamar para lhe ir buscar um papel ou para verificar pela enésima vez um estrato de conta.
um dia destes havia de lhe atirar o jantar na cara. queimando-o e demonstrando-lhe finalmente o que sentia.
mas por agora continuava a obedecer como se gostasse dele.

Sem comentários: