28.8.03

o sangue mais forte

há qualquer coisa de estranho. de assimétrico no teu olhar. uma paisagem esgotada, sem daguerreótipo nem futuro. uma paisagem esgotada. a inumação do que vais dizendo. o desfolhar oncológico das tuas palavras.a inumação do que vais dizendo. a desarmonia com que sempre me surpreendes. sobretudo a irritação e o muro onde assassinamos animais a um deus inquieto e traumatizado. (...) o céu aproxima-se, criança perturbada, as cordas a pedirem-te escoriações. (...)
um monstro dentro de ti, um monstro inconsciente, sonâmbulo, balbuciante, a subir abrupto como os ovos da sida na tua ansiedade. (...) uma sirene ao longe, batráquios e artilharia atolados num lago. a paixão pela morte. a ferrugem e o bolor. as máquinas grandes paradas. dramáticas como uma escultura clássica. o sangue que pulsa. o sangue que faz pressão por todo o corpo. que procura um ponto frágil por onde escapar. (...) um universo de linfócitos, de interrupções, de plaquetas, e glóbulos cheios de oxigénio. o sangue que se despeja como uma máquina de destruir cereais. a ansiedade dos prisioneiros, recebendo ao colo o seu próprio massacre. a estimulação química do cérebro. para provocar uma reacção. a estimulação violenta do corpo. a estimulação contra-natura das massas. para provocar uma reacção. a falta de ar, a bomba asmática, a geringonça a arfar dentro do poço. o asfalto. a divisão da propriedade. os muros que reticulam a imaginação. e o sangue à espera, o sangue a olhar com sentimento paradoxais. a asfixia. os prisioneiros de guerra que esperam, com o seu sangue a cristalizar e a rebentar com o corpo. a falta de ar. a ansiedade. o esgotamento nervoso. agora só a dor pode curar. agora só a dor pode fortalecer o sangue. agora só a dor pode curar. que venha um deus do sofrimento para que (...) e a parede onde sacrificam os animais chama-nos. e o húmus desenvolve-se através de caminhos ogivados. e um poço profundo no neo-córtex. uma paisagem de magnésio. fluorescente, onde grilos hertzianos pululam, sintonizando o teu espanto. (...) e essa agora tão profunda através do crânio, essa falta de pensamentos. essa repugnância de insectos. essa luta pelo sangue mais forte. essa ansiedade de pirâmides. (como um faraó feito de luz e de matéria) esse deslizar complanado pelas tuas células. a inundação do sangue aos teus órgãos, como um estremecimento de aqueduto, como uma artéria a estrangular uma árvore, como uma flor excessiva, como uma clorofila canibal, como uma caneta a penetrar na massa muscular, como uma tontura, como o húmus debaixo do fervilhar sarcástico, como as faces paradas a olhar, como a claustrofobia do sangue, como as urgências de um hospital, como o abuso de medicamentos, como o reflexo inquieto da garrafa, como um gesto definitivo, como uma palavra de bronze, como quando as pessoas têm segredos sórdidos a mancharem-lhes as calças, como a purificação do sangue na hemodiálise, de qualquer das maneiras algum dia tinha que ser, de qualquer das maneiras teve que ser, a descompensação, o desiquilíbrio, as vozes divergentes, e díspares (...) algum dia tinha que ser, o doente mental que ergue um império na cabeça da sua loucura, apenas com a força do seu sangue, com a sua voracidade obsessiva-compulsiva, os fuzilamentos voluntários, a fonte de onde escorregam os corpos das almas, como um receio não justificado, como quando procuramos a salvação, quando procuramos o deus do sofrimento, como quando há um caminho de fábulas e as estrelas estão atentas, como quando nos refugiamos num castelo de alcóol. para esquecer o sangue mais forte. em seteiras bebidas até ao fundo do copo.

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